Governo acusa Google de propaganda enganosa, impõe ajuste em página inicial e estipula multa de R$ 1 mi por hora

Empresa tem até duas horas para indicar como ‘publicidade’ conteúdos contrários ao projeto de Lei das Fake News; medida foi anunciada nesta terça-feira pelo Ministério da Justiça e Senacom.

Governo acusa Google de propaganda enganosa, impõe ajuste em página inicial e estipula multa de R$ 1 mi por hora
© Amanda Perobelli/Reuters
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Nesta terça-feira (2), o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou em uma coletiva de imprensa que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) tomou uma medida cautelar em relação ao Google. A medida foi tomada devido à mensagem exibida pela plataforma contra o projeto de lei das Fake News desde segunda-feira (1º).

A Senacom decidiu que a mensagem exibida pelo Google se trata de publicidade e, por isso, precisa ser sinalizada. Além disso, a empresa deve veicular uma contra-propaganda a favor do PL das Fake News para que o consumidor tenha acesso a outro ponto de vista.

O ministro Flávio Dino explicou que a empresa se define como uma plataforma de tecnologia e, por isso, não pode publicar um “editorial”. A Senacom considerou que a mensagem contra o PL das Fake News foi uma propaganda abusiva que precisa de contra-propaganda.

“Nosso objetivo é proteger os consumidores e combater a censura privada”, disse Dino.

Segundo ele, o debate sobre o PL das Fake News na Câmara dos Deputados estava transcorrendo normalmente, mas no último final de semana, houve uma tentativa de censurar o debate por meio de atuações atípicas de empresas que têm interesses próprios e econômicos.

A Senacom juntou indícios de que as plataformas estariam manipulando seus próprios termos de uso para privilegiar aquilo que lhes convêm, em detrimento de outras vozes. O ministro afirmou que isso é censura.

A Senacom também impôs outras medidas em relação ao Google, incluindo informar os consumidores sobre conflitos de interesses da empresa em relação às informações sobre o PL das Fake News, informar sobre qualquer interferência nas buscas sobre o assunto e não censurar posições divergentes daquela defendida pela empresa, nem privilegiar posições convergentes.

O descumprimento da medida cautelar resultará em multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por hora a partir da notificação da presente medida.

“Os termos de uso não podem se sobrepor ao nosso ordenamento jurídico, não têm hierarquia superior à nossa Constituição. O que está acontecendo nesse momento é uma publicidade opressiva. As plataformas estão colocando uma verdade única e absoluta em favor de sua opinião sobre o PL”, disse o secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous.

A decisão da Senacon faz cinco determinações ao Google. A empresa:

  • deve sinalizar os conteúdos publicitários próprios, e informar o consumidor sobre "eventual conflito de interesses que afetem a prestação de seus serviços";
  • deve informar "qualquer interferência no sistema de indexação de buscas relativas ao PL 2.630";
  • fica proibida de censurar "posições divergentes da posição editorial da empresa" em comunidades e apps mantidos pela plataforma digital sem informar devidamente o consumidor;
  • fica proibida, da mesma forma, de privilegiar posições convergentes nas mesmas comunidades e nos apps sem informar o consumidor;
  • fica obrigada a veicular a "contrapropaganda" no caso já identificado de publicidade não sinalizada – ou seja, no caso do PL das Fake News.

Na decisão, a Senacon também instaura um processo administrativo regular contra o Google e dá prazo de 20 dias para que a empresa apresente defesa.

O que diz o Google

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pelo Google a respeito da decisão da Senacon:

As alegações de que estamos ampliando o alcance de páginas com conteúdos contrários ao Projeto de Lei 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis, são falsas. Cada vez que uma pessoa faz uma busca, nossos sistemas trabalham para mostrar para ela os resultados mais relevantes entre milhares, às vezes milhões, de páginas de web. Não alteramos manualmente as listas de resultados para determinar a posição de uma página específica em nenhuma hipótese.

Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google.

Acreditamos que a discussão sobre uma legislação que pode impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas precisa ser feita envolvendo todos os setores da sociedade. Nas últimas semanas, temos nos manifestado em relação ao PL 2630 de forma pública e transparente por meio de nosso blog oficial. Além disso, temos investido em campanhas de marketing para dar visibilidade mais ampla às nossas preocupações, por meio de anúncios em veículos de comunicação tradicionais, como jornais, e em mídia digital, incluindo nossas plataformas de publicidade e redes sociais.

Temos explicado os riscos, que consideramos legítimos, às pessoas que usam nossas plataformas e também aos diferentes participantes do ecossistema digital. Isso inclui criadores de conteúdo no YouTube, anunciantes de todos os tamanhos e sites de notícias. Às vésperas da votação do PL 2630, que não foi discutido tão amplamente e sofreu alterações significativas nas últimas semanas, é importante que os brasileiros estejam informados sobre os possíveis impactos para tomarem uma decisão sobre como participar dessa discussão.

O que dizem as empresas sobre o PL das Fake News

Em nota, a Meta, dona do Facebook, disse que não permite atividades fraudulentas, e que é preciso um debate amplo para garantir uma lei que melhore, e não piore a internet.

E em uma carta aberta, o Google disse que trabalha diariamente para enfrentar essas questões, mas que o projeto de lei pode trazer riscos à segurança dos usuários, e merece mais espaço de discussão e debate.

Na semana passada, um conjunto de associações que representam empresas de jornalismo divulgou um manifesto em que defendeu o PL das Fake News. Segundo as empresas, o projeto é necessário "diante dos efeitos dramáticos da desinformação e do discurso de ódio" na sociedade.

Afirmou ainda que a valorização do jornalismo profissional serve como "antídoto a essa epidemia social".

"Como já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia", afirmam as empresas no manifesto.