Aumento nas mensalidades do ensino superior dificulta acesso de estudantes às faculdades

Reajustes podem deixar 68% dos futuros alunos sem opções viáveis de pagamento, aponta estudo da Quero Educação.

Aumento nas mensalidades do ensino superior dificulta acesso de estudantes às faculdades
© Valter Campanato/Agência Brasil
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Recentes reajustes nas mensalidades do ensino superior podem resultar na exclusão de diversos estudantes das faculdades devido à incapacidade de pagar, conforme apontado por um estudo realizado pela Quero Educação. A pesquisa revela que enquanto os futuros alunos buscam mensalidades em torno de R$ 500, a média cobrada pelas instituições é de R$ 722. Esse cenário faz com que 68% dos indivíduos em busca de ensino superior não encontrem opções viáveis.

O estudo foi conduzido com base nas buscas realizadas na plataforma Quero Bolsa, um dos serviços oferecidos pela Quero Educação. Através dessa plataforma, estudantes têm acesso a bolsas de estudo que variam de 5% a 80% de desconto em instituições privadas. Atualmente, segundo a Quero Educação, as bolsas disponibilizadas cobrem cerca de 10% das matrículas nas faculdades, sendo que mais de 1.300 instituições oferecem bolsas de estudo por meio dessa plataforma.

De acordo com a Quero Educação, no início deste ano, as principais instituições do mercado apresentavam, na plataforma, uma mensalidade média de R$ 530, enquanto os estudantes buscavam cursos com um preço médio de R$ 526. Ao longo do ano, devido à queda no poder de compra, os alunos passaram a procurar graduações presenciais com uma mensalidade média de R$ 495, ao passo que o valor médio das mensalidades oferecidas na plataforma aumentou para R$ 722, representando um aumento de 45% em relação à faixa de preço buscada pelos alunos.

Anteriormente, as instituições atendiam a 63% dos estudantes em busca de vagas, mas agora essa porcentagem caiu para 32%. O diretor da Quero Educação, Marcelo Lima, alerta: "Não houve aumento do poder de compra dos alunos, eles não podem pagar esse preço. É isso que a gente vem alertando. Está ficando muita gente de fora. E o fato é que as instituições não vão conseguir encher as suas salas."

Para Lima, os descontos nas mensalidades e as bolsas de estudo são mais vantajosos do que os financiamentos, pois podem garantir a formação dos alunos sem que eles fiquem endividados ao deixarem a universidade. Ele afirma que é uma grande oportunidade para as faculdades que desejam trabalhar nesse mercado oferecendo preços mais acessíveis para os alunos. Segundo ele, é muito melhor ter uma sala de aula cheia de alunos pagando R$ 500 do que uma sala com metade dos estudantes, captando apenas aqueles dispostos a pagar R$ 720.

Reajustes necessários

Entidades representativas do ensino superior reconhecem as dificuldades enfrentadas pelos estudantes para pagar as mensalidades, mas ressaltam que os reajustes são necessários, uma vez que muitas instituições não aumentaram as mensalidades durante a pandemia. Celso Niskier, diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), argumenta que o preço é estabelecido com base nos custos, que aumentaram devido

 à inflação, incluindo aumento de luz, aluguel e correção salarial. Segundo ele, aproximadamente metade das vagas oferecidas pelas instituições não são preenchidas.

Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, que também representa as mantenedoras de ensino superior do Brasil, afirma que atualmente cerca de 30% a 35% dos estudantes possuem algum tipo de desconto ou bolsa. Ele destaca que, em 2023, houve uma pequena recuperação do setor, mas com uma alta incidência de descontos, sendo necessário ajustar os valores devido ao baixo poder aquisitivo e ao alto endividamento das famílias.

Capelato ressalta que não é possível oferecer descontos a todos os estudantes, uma vez que o valor médio das mensalidades varia de R$ 800 a R$ 1.500. Ele enfatiza a importância de expandir o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) como uma forma de manter os alunos na universidade e garantir sua formação, já que, mesmo com bolsas, eles não têm condições de pagar até o final do curso. Atualmente, o setor privado concentra 77% das matrículas do ensino superior brasileiro, de acordo com o último Censo da Educação Superior. Capelato defende: "Precisamos de uma forma de ingresso através do setor privado, caso contrário não conseguiremos fornecer cobertura. E a melhor maneira é expandir o financiamento estudantil."

"Aqueles que buscam o ensino superior necessitam de financiamento estudantil, de um novo Fies, a fim de retomar o caráter social que defendemos, como era no início. No Brasil, se não houver financiamento com esse caráter, teremos mais pessoas precisando cursar o ensino superior e não conseguindo", argumenta Niskier.

Qualidade

Para os estudantes, é importante que o ensino superior oferecido seja de qualidade, o que nem sempre tem ocorrido, segundo Manuella Silva, coordenadora de Comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE).

"Neste momento, além de garantir o acesso dos estudantes ao ensino superior, é necessário garantir a qualidade do ensino superior. O que vemos é o lucro prevalecendo sobre a qualidade", afirma.

Manuella relata que a UNE recebe reclamações de estudantes que têm aulas gravadas há muitos anos, já desatualizadas, e que não possuem laboratórios para práticas, entre outras queixas.

Em relação aos reajustes, a estudante ressalta que os aumentos estão afetando não apenas os estudantes ingressantes, mas também aqueles que já estão matriculados e que acabam não tendo condições financeiras para continuar seus estudos.

Manuella defende que, além de um Fies capaz de garantir que os estudantes concluam seus cursos, é necessário garantir empregabilidade, para que possam pagar suas dívidas com o programa assim que se formarem.

"Defendemos o Fies, mas também defendemos que ele seja capaz de garantir o emprego pleno, para que os estudantes possam ter acesso ao mercado de trabalho. O Fies é importante para garantir o ingresso na universidade, mas deve ser um Fies que permita que os estudantes entrem, permaneçam e concluam o curso com qualidade, para que não abandonem no meio do caminho", afirma Manuella.

Fies

Atualmente, o Fies está sendo discutido em um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Educação, cujas discussões devem ser concluídas em setembro. O grupo de trabalho foi oficializado pela Portaria 390, publicada no Diário Oficial da União em 8 de março, com o objetivo de promover estudos técnicos relacionados ao Fundo, como diagnósticos sobre a situação atual do Fies, a reavaliação do limite de financiamento e a simplificação do programa.

Criado em 1999, o Fies oferece financiamento a estudantes de baixa renda em instituições particulares de ensino em condições mais favoráveis do que as do mercado. O programa, que chegou a firmar mais de 732 mil contratos em 2014, passou por uma série de mudanças e cortes desde 2015. Em 2019, aproximadamente 67 mil estudantes ingressaram no ensino superior por meio do Fies.

Uma das principais razões para as mudanças nas regras do Fies, de acordo com gestões anteriores do Ministério da Educação, foi a alta taxa de inadimplência, ou seja, estudantes que contratam o financiamento e não conseguem quitar suas dívidas após a formatura. O percentual de inadimplência registrado pelo programa chegou a superar 40%, de acordo com dados do ministério de 2018.